quarta-feira, 9 de outubro de 2013

CD póstumo do Charlie Brown tem Chorão 'suave' e faixas arrastadas

Sete meses após a morte de Chorão e um mês depois do suicídio de Champingnon, o Charlie Brown Jr. lança o disco póstumo "La família 013". O álbum que sai pela Som Livre ficou disponível em streaming a partir de segunda-feira (7). O disco pode ser baixado a partir desta terça-feira (8) no iTunes.

Mesmo que estivesse quase finalizado antes da primeira tragédia, é difícil que o contexto não mude as avaliações das letras e músicas de “La família 013” por fãs e críticos. O andamento mais lento e vocal quase sussurrado de Chorão em várias faixas pode ser interpretado como desânimo do cantor, vide arroubos de rap com dinâmica fraca.

O que poderia ser visto como um momento de menos energia na carreira da banda ganha algo de beleza e interesse, se colocado no cenário da crise pela qual o cantor supostamente passava. Assim como "Só os loucos sabem", faixa reflexiva de 2011 que triplicou de audiência no YouTube após a morte do cantor e virou quase um hino para os fãs, este disco tem várias menos agressivas do cantor, que devem ganhar o coração dos admiradores.

Apesar de ser o primeiro disco após a volta de Champignon e Marcão à banda, é pouca a participação deles nas composições da “família 013” (provável referência ao DDD de Santos, cidade de origem da banda). Champignon foi coautor de duas músicas e Marcão de três.

Há o skate rock ("Rock Star", "Um dia a gente se encontra") e as baladas radiofônicas ("Meu novo mundo", "Contrastes da vida"). São algo que se espera do Charlie Brown Jr. Mas há surpresas: flertes com blues ("A mais linda do bar") e metal ("Camisa preta"). Menos pretensiosa, "Cheia de graça" reafirma Chorão como bom compositor pop.

Mas o que mais diferencia o disco dos outros da banda é o vocal quase sussurrado e o andamento mais arrastado de várias músicas. Veja abaixo o faixa-a-faixa.

"Um dia a gente se encontra"
A faixa com letra reflexiva não parece ter sido escolhida por acaso para abrir o disco. A frase do título, repetida 12 vezes, é de arrepiar os fãs após as mortes de Chorão e Champignon: "Então vamos viver / Um dia a gente se encontra". Apesar de uma pretensa suavidade da voz quase sussurrada de Chorão nos versos, o som não é diferente do que o grupo já fez. Parece "Tudo mudar", de 2000, em rotação um pouco reduzida.

"Fina arte"
"Essa daqui é pra provar que essa p... vale ouro", diz Chorão no rap emendado no refrão da música. Mas a energia sugerida na letra não se reflete na voz do cantor. O resto, com alguns sussurros, não está entre o que há de mais inspirado no disco. É um reggae irmão de "Zóio de lula", otimista: "A vida vivida de um modo simples é bem melhor pra mim". É a única assinada pela dupla Chorão e Marcão.

"Cheia de vida"
Abre o grupo de faixas românticas. Se trocassem as guitarras e o vocal rasgado por uma programação eletrônica e teclados, seria um bom pop rock brasileiro dos anos 80, do naipe de "Cheia de charme", de Guilherme Arantes. O que, longe de ser um demérito, mostra que o talento de Chorão como compositor é maior que o clichê do skatista de bermuda na canela.

"Meu novo mundo"
Outra romântica e mais descaradamente pop que a anterior. A banda abre mão da distorção na primeira parte. Os versos têm o sentimentalismo bruto de Chorão: "Tipo coisas da sétima arte / aconteceu sem que eu imaginasse"; "amor vagabundo, intenso e muita pressa / não sei como termina mas sei como começa". O refrão martelado é menos marcante do que o início promete.

"Do jeito que eu gosto, do jeito que eu quero"
Esta é uma das duas faixas assinadas por toda a banda. O riff engraçadinho poderia chegar à malemolência santista de "Tudo que ela gosta de escutar", de 1997. Mas Chorão acaba levando para lições existenciais em andamento mais arrastado: "A vida só gosta de quem gosta de viver".

"Rock star"
Esta entraria fácil em "Transpiração contínua prolongada", por isso destoa do resto de "La família 013". Mais veloz, tem toda a marra e o skate rock que deixaram Chorão famoso: "Eu vou colar com ela, ela me deixa crazy", ele canta, antes do refrão ao mesmo tempo humilde e pedante: "Maloca rock star / Favela rock star".

"Vem ser minha"
Em outro reggae, volta o clima mais suave e romântico. Aqui o arranjo deixa mais espaço para Champignon mostrar suas virtudes - o único aspecto mais notável da faixa.

"Hoje sou eu que não mais te quero"
Começa com um riff pesado, mas quebra para guitarra acústica e um arremedo de bossa nova. Chorão canta versos monocórdicos e desiludidos. "Já nem sei mais o que eu quero, nem sei o que eu quero". Boas linhas das guitarras e baixo dão a dinâmica que falta na voz. Amarga, termina com a volta do peso inicial. Se tivesse letra em inglês e vocal desafinado, passaria por alguma banda da geração indie dos anos 90 que desprezava Chorão.

"Camisa preta"
Charlie Brown metal? Outra faixa surpreendente e destoante no disco, esta é a passagem do Charlie Brown mais próxima de clichês metaleiros, vide notas agudas debulhadas depois de um riff rápido e abafado e antes do derradeiro solo de bateria. É a segunda faixa composta por toda a banda. Também começa com guitarra engraçadinha, quebrada por mudanças de dinâmica e trechos mais arrastados.

"Vou me embriagar de você"
Outro exemplo do vocal sussurrado de Chorão. Pouco cativante em relação à capacidade do músico, parece uma das que ajuda apenas a completar as 13 faixas sugeridas no título do disco. A única perspectiva interessante é pensar que ele não estava cantando "vou me embriagar de você" para uma pessoa. E mesmo se estivesse, é algo tocante pela confissão antes de morrer: "Estive só, estive sozinho".

"A mais linda do bar"
"Eu vou rodar essa cidade, porque eu sei que em algum lugar a garota dos meus sonhos está esperando por mim... Eu quero a garota mais linda do bar". A letra deste blues - outra surpresa do disco - dá um pouco mais de luz às histórias de Chorão rodando sozinho por bares de SP. Ele chegava sem ninguém, mas, segundo a música, não queria voltar desacompanhado.

"Samba triste"
Faz par com "Hoje sou eu que não mais te quero" ao misturar base de violão com guitarras distorcidas e arrastadas. Se as primeiras músicas foram bem escolhidas para impressionar os fãs, para o final ficaram as melodias menos inventivas. A respeito do título, não há nada de samba, mas muito de tristeza. Até a "preservação da natureza para seu filho aproveitar" é tema de lição.

"Contrastes da vida"
A faixa curta e acústica tem os vocais menos agressivos que marcam o disco. Chorão fala em "evoluir, seguir em frente", mas ele mesmo rebate: "Mesmo o mais sábio às vezes não encontra uma saída". A última frase é de dar um nó na garganta: "A ação do tempo nas nossas vidas / deixou a gente sem saber por quê".
Fonte: G1

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